quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A Diarista

         Seu nome é Ofélia, sessenta e cinco anos, trabalhadora, mulher decidida, brava, paga suas contas, guarda seu dinheiro que gasta com segurança e planejamento. Pessoas “das antigas”, como muito dizem por aí. Sofreu muito na vida, na roça, andava descalça, corria no mato, viveu uma vida simples e difícil de uma família pobre “do sítio”.
            Hoje Ofélia é avó, avó só não, é também bisavó e continua trabalhando, já um pouco cansada, com o peso acima do “normal”, mas trabalhando enfrentando mais do que nunca o mercado do trabalho. Afinal sempre diz assim:
            - “Se eu não trabalhar quem vai pagar as minhas contas?” “Tenho meu dinheiro, pago minhas contas e ninguém tem nada de ver com isso.”
            Essa guerreira trabalha quatro vezes na semana como diarista. Faz muita faxina pesada. Muitas vezes chega moída, mas passa sua pomada, toma seu remedinho e,  “segue o fluxo,” como diz o narrador esportivo.
            Uma dessas quatro faxinas semanais é numa casa que fica em outra cidade, cerca de 30 quilômetros de onde ela mora, então, toda semana pega o primeiro ônibus por volta das seis da manhã e vai trabalhar nessa casa onde ela posa e a contratante a leva no outro dia de carro.
            Ofélia se gaba de não pagar mais ônibus pela idade que tem e diz que finalmente conseguiu algum benefício.
           É de temperamento forte, não leva desaforos para casa e sempre tem razão, mesmo quando está errada.
Nossa história começa no dia da vigem semanal de nossa heroína. Por um milagre da natureza ela perdeu o horário e teve que sair como uma louca para não perder o circular e dar tempo de pegar o “busão” para a cidade visinha. Na pressa, não reparou que havia deixado em cima da mesa a segunda sacola, com seus documentos e um dinheirinho para comer pastel na feira na cidade vizinha no outro dia, o dia da volta.
            Como sempre pega o circular o motorista já a conhece e nem pede mais seus documentos, o mesmo acontece com o motorista do circular que a leva até a cidade próxima. E la foi dona Ofélia para mais um dia de serviço. Mas algo de estranho estava acontecendo, o motorista “Negão”, não estava muito bem, parecia que não tinha dormido a noite, não estava rindo e nem contando piada como de costume e nossa diarista começou a ficar preocupada.
            - “Ai meu Deus do céu! O que será que tá acontecendo com o seu Negão? Ele está muito estranho. Tô começando a ficar com medo. Não posso morrer agora. Se eu morrer, o que vai ser do meu véinho? E meus filhos, netos e bisnetos?...”
            Pegou então sua bolsa e foi procurar seus documentos. Foi quando notou que só havia trazido uma.- “E agora? E se acontece algum acidente? E se eu morro? Não tenho documento, nem carteira nem nada, como vão me reconhecer? Como vão avisar minha família? Meu Deus!”
            E essa mulher começou a ficar apavorada e procurava na bolsa se não tinha mesmo deixado nada que comprovasse quem ela era e onde ela morava. Virava e revirava a bolsa e nada.
            _ “E se eu for enterrada como indigente? Como uma sem família? Meu Deus o que faço?” Dizia apavorada, já começando a pingar de suor.
            O motorista fazia barbeiragem em cima de barbeiragem, quase saía para o acostamento, realizava ultrapassagens perigosas... enfim, estava muito fora de si. E os passageiros começaram a reclamar:
            _ ô motorista!?  Você está levando gente, não gado!
            _Cê tá logo meu? Qual é a parada, mano?!
            Como se não ligasse, Negão continuava a dirigir da mesma maneira, parecia que estava em transe. E nossa faxineira cada vez mais apavorada. Até que de repente ela teve uma ideia.
            - Já sei! Vou escrever meu nome, endereço e telefone nos meus braços, assim se acontecer um acidente e eu morrer, vão saber quem eu sou.
            Abriu a bolsa e pegou a caneta que sempre levava para assim poder realizar seu plano. E começou apavorada a escrever seu nome e endereço no braço esquerdo. Dois jovens que estavam próximos começaram a ver o desespero da senhora e resolveram fazer uns  comentários maldosos em voz alta:
- Então, como eu estava falando, o motorista aí tá dirigindo igual aquele do acidente lá no nordeste. Você lembra o que aconteceu? Todo mundo morreu!, teve uma senhora de idade que teve até seu braço arrancado.
            -É mesmo!  O duro é que nem encontraram o braço dela. ( Os jovens falavam e riam da idosa, que se desesperava mais ainda ouvindo essas mentiras).
            Enquanto os jovens se divertiam, dona Ofélia se desesperava mais ainda e já começava a pensar em escrever no outro braço e até nas pernas. O medo de ser enterrada como indigente a deixava apavorada. O motorista por sua vez continuava a dirigir como um doido.
            - Ô tá pensando que tá levando gado? Vê se dirige direito. Falavam os passageiros que já começavam a ficar preocupados. De repente o motorista dá uma brecada brusca e joga várias pessoas para a frente e dona Ofélia acaba sujando suas calças de medo.
            - E agora? Será que dá pra ver? O que que eu faço? Pensava já branca de medo.
            Mas a situação acalmou com a chegada do ônibus ao destino e todos respiraram aliviados. Finalmente a diarista chegou ao seu destino toda rabiscada e com a roupa suja, mas aliviada e viva.
            Como é dura a vida de uma diarista. 

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