Seu
nome é Ofélia, sessenta e cinco anos, trabalhadora, mulher decidida, brava,
paga suas contas, guarda seu dinheiro que gasta com segurança e planejamento.
Pessoas “das antigas”, como muito dizem por aí. Sofreu muito na vida, na roça,
andava descalça, corria no mato, viveu uma vida simples e difícil de uma
família pobre “do sítio”.
Hoje Ofélia é avó, avó só não, é
também bisavó e continua trabalhando, já um pouco cansada, com o peso acima do
“normal”, mas trabalhando enfrentando mais do que nunca o mercado do trabalho.
Afinal sempre diz assim:
- “Se eu não trabalhar quem vai
pagar as minhas contas?” “Tenho meu dinheiro, pago minhas contas e ninguém tem
nada de ver com isso.”
Essa guerreira trabalha quatro vezes
na semana como diarista. Faz muita faxina pesada. Muitas vezes chega moída, mas
passa sua pomada, toma seu remedinho e, “segue o fluxo,” como diz o narrador
esportivo.
Uma dessas quatro faxinas semanais é
numa casa que fica em outra cidade, cerca de 30 quilômetros de onde ela mora,
então, toda semana pega o primeiro ônibus por volta das seis da manhã e vai
trabalhar nessa casa onde ela posa e a contratante a leva no outro dia de
carro.
Ofélia se gaba de não pagar mais
ônibus pela idade que tem e diz que finalmente
conseguiu algum benefício.
É de temperamento forte, não leva
desaforos para casa e sempre tem razão, mesmo quando está errada.
Nossa história começa no dia da vigem semanal de nossa heroína. Por um milagre
da natureza ela perdeu o horário e teve que sair como uma louca para não perder
o circular e dar tempo de pegar o “busão” para a cidade visinha. Na pressa, não
reparou que havia deixado em cima da mesa a segunda sacola, com seus documentos
e um dinheirinho para comer pastel na feira na cidade vizinha no outro dia, o
dia da volta.
Como
sempre pega o circular o motorista já a conhece e nem pede mais seus
documentos, o mesmo acontece com o motorista do circular que a leva até a
cidade próxima. E la foi dona Ofélia para mais um dia de serviço. Mas algo de
estranho estava acontecendo, o motorista “Negão”, não estava muito bem, parecia
que não tinha dormido a noite, não estava rindo e nem contando piada como de
costume e nossa diarista começou a ficar preocupada.
-
“Ai meu Deus do céu! O que será que tá acontecendo com o seu Negão? Ele está
muito estranho. Tô começando a ficar com medo. Não posso morrer agora. Se eu
morrer, o que vai ser do meu véinho? E meus filhos, netos e bisnetos?...”
Pegou então sua bolsa e foi procurar
seus documentos. Foi quando notou que só havia trazido uma.-
“E agora? E se acontece algum acidente? E se eu morro? Não tenho documento, nem
carteira nem nada, como vão me reconhecer? Como vão avisar minha família? Meu
Deus!”
E essa mulher começou a ficar
apavorada e procurava na bolsa se não tinha mesmo deixado nada que comprovasse
quem ela era e onde ela morava. Virava e revirava a bolsa e nada.
_ “E se eu for enterrada como
indigente? Como uma sem família? Meu Deus o que faço?” Dizia apavorada, já
começando a pingar de suor.
O motorista fazia barbeiragem em
cima de barbeiragem, quase saía para o acostamento, realizava ultrapassagens
perigosas... enfim, estava muito fora de si. E os passageiros começaram a
reclamar:
_ ô motorista!? Você está levando gente, não gado!
_Cê tá logo meu? Qual é a parada,
mano?!
Como se não ligasse, Negão
continuava a dirigir da mesma maneira, parecia que estava em transe. E nossa
faxineira cada vez mais apavorada. Até que de repente ela teve uma ideia.
- Já sei! Vou escrever meu nome,
endereço e telefone nos meus braços, assim se acontecer um acidente e eu
morrer, vão saber quem eu sou.
Abriu a bolsa e pegou a caneta que
sempre levava para assim poder realizar seu plano. E começou apavorada
a escrever seu nome e endereço no braço esquerdo. Dois jovens que estavam
próximos começaram a ver o desespero da senhora e resolveram fazer uns comentários maldosos em voz alta:
-
Então, como eu estava falando, o motorista aí tá dirigindo igual aquele do
acidente lá no nordeste. Você lembra o que aconteceu? Todo mundo morreu!, teve
uma senhora de idade que teve até seu braço arrancado.
-É mesmo! O duro é que nem encontraram o braço dela. (
Os jovens falavam e riam da idosa, que se desesperava mais ainda ouvindo essas
mentiras).
Enquanto os jovens se divertiam,
dona Ofélia se desesperava mais ainda e já começava a pensar em escrever no
outro braço e até nas pernas. O medo de ser enterrada como indigente a deixava
apavorada. O motorista por sua vez continuava a dirigir como um doido.
- Ô tá pensando que tá levando gado?
Vê se dirige direito. Falavam os passageiros que já começavam a ficar
preocupados. De repente o motorista dá uma brecada brusca e joga várias pessoas
para a frente e dona Ofélia acaba sujando suas calças de medo.
- E agora? Será que dá pra ver? O
que que eu faço? Pensava já branca de medo.
Mas a situação acalmou com a chegada
do ônibus ao destino e todos respiraram aliviados. Finalmente a diarista chegou
ao seu destino toda rabiscada e com a roupa suja, mas aliviada e viva.
Como é dura a vida de uma diarista.